Vida em comunidade na Revista Bodisatva

A revista Bodisatva é uma publicação do Centro de Estudos Budistas Bodisatva CEBB, coordenado pelo Lama Padma Samten, ex-professor de física quântica e primeiro Lama brasileiro. Neste exemplar, a convite do Lama Samten, escrevi um artigo contando como o conheci em 1982, na época professor Alfredo Aveline, na comunidade fundada por ele num sítio em Três Coroas RS. Este mesmo terreno foi doado por ele para a construção do templo Khadro Ling pelo Lama Chagdud Tulku Rimpoche. Eu estava terminando o último ano de Engenharia Mecânica e fiquei fascinado pela comunidade alternativa de Rodeio Bonito. Me parecia a solução de todos os problemas do mundo, na minha ingenuidade dos tenros 20 anos. Depois que acabei a faculdade pus a mochila nas costas, peguei um avião das Linhas Aéreas Paraguaias e fui para a Europa conhecer outras comunidades. Estive em Findhorn, a ecovila mais antiga do mundo, no norte da Escócia; Comunidad del Arco-íris, uma comuna de orientação tântrica na Catalunha; Amir Kibutz, em Israel e outras. A revista pode ser comprada pelo site e vale cada tostão, as matérias são todas excelentes.

A esquerda o Lama Samten, na época Alfredo Aveline, na comunidade Rodeio Bonito, 1982, foto de Zé Paiva (na época ainda amador)

Queguay, donde confluyen los ensueños

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Ceibo (corticeira do banhado), Rincón de Perez, Paysandu, Uruguay (foto de Zé Paiva/Vista Imagens)

O Uruguai faz alguns anos está estruturando um sistema nacional de áreas protegidas SNAP, sob a tutela da Dirección Nacional de Medio Ambiente. Até então era o único pais da América do Sul sem um sistema semelhante. Entre 25 de setembro e 3 de outubro de 2009 fui a Guichon, uma pequena cidade do departamento de Paysandu no Uruguai, fazer um ensaio fotográfico sobre a região. Montes del Queguay é como será chamada a área protegida que está em estudo para ser implementada.

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Señor Rodriguez, Montes del Queguay, Guichon, Paysandu, Uruguay (foto de Ze Paiva, Vista Imagens)

Fui contratado por uma ONG chamada CEUTA, Centro Uruguayo de Tecnologías Apropiadas, com sede em Montevidéu. Eles estão fazendo um estudo sobre a área para fundamentar um futuro plano de manejo da mesma, resultado este que será publicado na forma de um livro.

Montes del Queguay tem uma área de aproxidamente 41 mil hectares e fica na bacia do Rio Queguay, um afluente do Rio Uruguai. Queguay em guarani significa “onde confluem os sonhos”. O meu guia nas incursões foi Carlos Urruty, um nativo de Guichon. Ele é professor de uma escola técnica da cidade, mas desde jovem pesca e caça na região. Há alguns anos começou a colaborar com a CEUTA e simultaneamente a desenvolver roteiros ecoturísticos.  Além disso é um dos diretores do Club de Canoas Queguay (canoagem é uma das especialidades dos uruguaios).

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Cerro del Ingles, Rio Queguay, Guichon, Paysandu, Uruguay, foto de Ze Paiva, Vista Imagens.

Muitas pessoas, inclusive os próprios uruguaios, tem o costume de classificar a paisagem uruguaia com o clichê: uma planície suavemente ondulada. Na verdade isto é uma simplificação grosseira. Montes del Queguay, por exemplo, apresenta montes ribereños (florestas que acompanham o rio); banhados e “pajonales”, onde encontramos uma enorme quantidade de aves residentes e migratórias; serras basálticas e matas associadas; chircais (agrupamentos arbustivos); montes parque (uma floresta mais aberta) e pradarias. Além disso a região foi morada dos últimos índios charruas do Uruguai.

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Monte parque, Rio Queguay, Guichon, Paysandu, Uruguay, foto de Ze Paiva, Vista Imagens.

Fizemos diversos trajetos em camionete 4×4, percorremos alguns trechos do rio em canoa e me embrenhei em alguns banhados com meu macacão impermeável em busca de fotos de aves. Foram dias de muito trabalho, acordando as 6 da manhã para captar a luz do amanhecer, trabalhando até o pôr-do-sol, carregando os cartões e limpando equipamento a noite. Valeu a pena, o lugar tem uma beleza sutil só perceptível para quem está disposto a entranhar-se nesta paisagem.

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Pecho-amarillo, Humedal Rincon de Perez, Guichon, Paysandu, Uruguay, foto de Ze Paiva, Vista Imagens.

Num dos dias voei sobre a pampa deserta, verde mas deserta. Sem limites visíveis, grandes coxilhas invadidas por eucaliptos pediam socorro, pequenas matas cercadas por lavouras gritavam encurraladas. Porque destruímos a perfeição da natureza? Porque tanta ganância em toda parte do mundo? Porque tamanho descaso com os frutos de nossos atos? Rios com lixo pendurados pelos ramos, latas de veneno na beira da estrada, máquinas borrifando pesticidas que recendiam seu cheiro até as alturas de minha aeronave. A destruição de cima fica mais visível. A natureza está encurralada por todos os lados, em todos os paises. A beleza está moribunda. A perfeição desmorona.

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Plantação de eucaliptus, Paysandu, Uruguay, foto de Ze Paiva, Vista Imagens.

Dia da Árvore

No dia das majestosas esculturas do tempo – as árvores – uma singela homenagem deste fotógrafo:

Calma, calma, árvore de ar risonho.

O que rápido surge se desfaz como sonho.

Só lentamente pode o nobre revelar-se,

só lentamente pode o duradouro formar-se.

Fritz Müller (naturalista alemão que viveu em Santa Catarina no século XIX – tradução de Dennis Radünz)

Araucaria "Araucaria angustifolia", Coxilha Rica, Lages, Santa Catarina
Araucaria "Araucaria angustifolia", Coxilha Rica, Lages, Santa Catarina

Fome e propaganda

Depois que vi o trailer de Garapa, o novo filme-documentário do diretor José Padilha, fui investigar o problema da fome no mundo e fiquei pasmo. Segundo a ONU chegamos na marca de 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo, ou seja, quase uma de cada seis pessoas passa fome. Vivemos tão imersos na nossa realidade cotidiana que não nos damos conta que somos uma minoria distante de uma outra realidade, a dos que passam fome. No Zâmbia por exemplo, 47% da população está abaixo da linha da pobreza.

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Alguns dias depois por acaso assisti na TV por assinatura um filme francês chamado “99 francos” (baseado em um livro de Frédéric Beigbeder, que foi redator na Young & Rubicam de Paris) . O filme mostra a vida de um redator publicitário de uma grande agência francesa, envolto em drogas, festas, egos enormes (inclusive o seu), até ele perder um amor e experimentar um fracasso profissional. A partir dai sua vida começa a mudar drasticamente. No final do filme uma frase diz que no mundo se gasta mais de 500 bilhões de dólares com publicidade por ano e que 10% seria suficiente para resolver o problema da fome. Fui novamente pesquisar e descobri que o número estava absolutamente correto. Talvez 10% não resolva o problema da fome, mas ajudaria bastante. Com certeza deve ser maior do que o PIB de muitos paises pobres. É só um exemplo, deve-se gastar muito mais do que isso com armamentos. Conclusão: a nossa sociedade está doente, muito doente, para conviver com tamanhos absurdos.

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HOME, um filme de Yann Arthus-Bertrand

O grande fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand, que já havia nos deleitado com o livro “A terra vista do alto” agora nos brinda com um documentário longa-metragem simplesmente maravilhoso. Além de belíssimas imagens aéreas de vários lugares do mundo um roteiro primoroso que prende do início ao fim. Mas não se iludam com a minha descrição pois o filme é muito mais do que isso, ele mostra também toda a destruição e desequilíbrio que causamos no planeta. Breve deve sair em DVD. Passou quase desapercebido no cinema infelizmente. Imperdível!

Dicas: o filme está em HD, dá pra ver em tela cheia com boa qualidade mas tem que assistir no site do youtube (clique no meio da janela abaixo). Infelizmente só tem com legenda em inglês. Bom filme!

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Lápis do olho

Por: Fábio Brüggemann

Leia na íntegra o maravilhoso prefácio do escritor e editor Fábio Brüggemann para o livro Expedição Natureza – Santa Catarina.

Talha-mar " Rinchops nigra ", voando sobre a Lagoa da Conceição

O lápis do olho

Ao ver o material bruto que resultou na limpidez deste álbum, a primeira indagação que me surgiu foi: por que um sujeito resolve sair de casa, carregar pesados equipamentos, entrar no meio do mato, subir montanhas e escorregar no limo dos riachos para fotografar a natureza? Ao tentar respondê-la – se é que há resposta adequada e única – pensei nas imagens (que também só as vi em fotografia) dos desenhos rupestres feitos numa época em que o homem ainda desconhecia a palavra arte, porque não precisava de seu conceito. As paredes da caverna, de alguma forma, eram paredes da própria casa.

Avanço alguns séculos na história e penso no escritor Hermann Hesse, quando descreveu suas caminhadas pelo bosque próximo à sua cabana, e nas reflexões do filósofo norte-americano Henri Thoreau, quando refugiou-se no lago Walden para ficar junto à natureza e descrevê-la. Será que a necessidade destes escritores não foi a mesma dos homens na caverna e, também, aquela que faz um sujeito sair de casa para fotografar a natureza?

Os homens que pintavam cavernas grosso modo levavam a representação do mundo para dentro de suas casas. Fotografar a natureza talvez tenha igual sentido. Mesmo assim, por que essa gente precisa tanto trazer para dentro de casa uma representação do que existe fora dela? Será que é para confirmar a apatia dos homens de Platão, que apenas observavam a sombra do mundo de dentro da caverna? Será para mostrar sua capacidade de representar o mundo? Será para dizer que aquela porção representada, daquele ponto de vista, apenas aquele sujeito a vê? Ou será, ainda, movido por um desejo comunitário, para preservar um instantâneo da natureza e mostrar ao futuro que aquilo um dia existiu?

De qualquer forma, há uma ilusão nesse desejo, pois é impossível guardar a natureza. O que se guarda é apenas uma representação dela. Presumo, diante destas questões, que o ser humano precisa não apenas olhar diretamente para a natureza, ou vivê-la intensamente, mas também olhar para uma representação dela, com a intenção, talvez – como pensava Aristóteles –, de melhor conhecê-la.

O fotógrafo Zé Paiva – ciente de que a fotografia da natureza na qual ele caminhou e que registrou não é a verdade –, de todas as hipóteses acima apontadas, fotografa para preservar. Estando diante de rios, lagos, árvores quase fabulares (como a araucária), pássaros, pequenos insetos, bichos e plantas catalogadas como “em vias de extinção”, cachoeiras, homens e mulheres e também da beleza e da destruição deixada por estes homens e mulheres, Paiva tem a mesma vontade de cientistas como Fritz Müller, Fritz Plaumann e do padre Raulino Reitz que, graças a uma obstinação, mesmo que não tenham usado a fotografia, registraram para o futuro aquilo que viram.

E é curioso que um dos inventores da fotografia, o inglês William Fox Talbot, tenha chamado a recém invenção de “O lápis da natureza”. Passado todo este tempo, penso numa versão shopenhauriana, para supor que a fotografia é o lápis do olho, pois só se vê o que o olho quer, não o que a natureza pretensamente impõe. A fotografia de uma lagoa, como as muitas que Zé Paiva fez, será sempre vista de formas distintas se feita por diferentes fotógrafos.

Ainda nos primórdios da fotografia, Albert Bisbee, criador, em 1853, de um manual de daguerreotipia, dizia que “os objetos delineiam-se a si mesmos, transparecendo, assim, a verdade”. Hoje, esta visão de fotografia como verdade, ainda mais com a invenção da tecnologia digital, não se sustenta mais, pois ela não é a verdade e, em alguns casos, nem mesmo é uma representação da verdade. A fotografia é um indicador, um modo de dizer que a imagem de uma floresta não é apenas uma floresta, mas o que pode ter sido dela, além de outra indicação: a de que em um determinado momento histórico – mesmo que tenha passado apenas um segundo – alguém construiu uma imagem. Neste caso, um fotógrafo.

Talvez, por tudo isso, as fotografias ainda precisem de legenda, porque não basta olharmos a imagem de um bugio, como aquele que Zé Paiva fotografou, porque ainda restarão perguntas como: onde estava o bicho? Qual o nome do lugar? Posso ir lá? Tinha mais destes? Se fotografar é chamar a atenção para algo, ver uma fotografia é fazer perguntas a respeito deste “algo”.

A fotografia é, segundo Joan Fontcuberta, autor do livro El beso de Judas, fotografia y verdad, “uma ficção que se apresenta como verdadeira”. E dado esse caráter inevitável de ficção, resta, ainda, continua o autor, o “controle exercido pelo fotógrafo para impor uma direção ética a sua ficção”.

Zé Paiva, além de construir estas representações da natureza em belíssimos quadros e ser, como escreveu o poeta e ensaísta Péricles Prade, “um caçador de imagens edênicas”, tem este controle e impõe, decididamente, uma direção ética às suas ficções. Ele, ao nos mostrar belos indícios da existência da natureza, propõe também que seja preservada. Não apenas em nossa memória, ou para levarmos para dentro de casa, mas no espaço específico de onde ele a tirou.

Também se diz “tirar” para fotografar. Paiva tira, mas não trai aquilo que fotografa. Ele nos empresta seu olhar, mas a imagem que queremos ver mesmo será delineada em nosso olho, que processará, assim, a idéia de preservação, de beleza, de conceito de arte, de encantamento, mas também de desgosto por indicar ainda idéias de destruição de uma realidade que, talvez, em um futuro próximo, não sirva mais de modelo.

Este álbum é também um aviso.

Fábio Brüggemann
Editor, escritor e jornalista