Canela, capital da fotografia

Acabo de voltar de Canela, na Serra Gaúcha, onde participei do Canela Foto Workshops. A melhor palavra para definir o evento é “empolgante”. É sempre interessante participar dos festivais de fotografia que (felizmente) assolam o país hoje em dia (são mais de vinte). Primeiro porque é uma ótima oportunidade de reencontrar amigos-fotógrafos de todas as partes do Brasil e também fazer novas amizades. Além disso a fotografia permeia todas as atividades, como uma grande celebração, e assim pode-se aprender em workshops, exposições, conversas, ou simplesmente aproveitar a festa. Parabéns a Liliana Reid e Fernando Bueno, idealizadores do evento!

Nair Benedicto e Zé Paiva na abertura oficial do evento, no Palácio das Hortências.

Houveram diversas exposições, entre elas a coletiva Mestres do CFW, para a qual eu tive a honra de ser convidado a expor ao lado de grandes fotógrafos que admiro. Foram expostas três imagens de cada um dos seguintes fotógrafos: Clóvis Dariano, Dudu Contursi, Evandro Teixeira, Fernando Bueno, Leopoldo Plentz, Luiz Carlos Felizardo, Manuel da Costa, Orlando Brito, Raul Krebs, Ricardo “Kadão” Chaves e Rogério Reis. A mostra aconteceu no Palácio das Hortênsias (casa de verão do Governador do Estado) e foi também a abertura oficial do evento, que completou dez anos em 2012.

Palácio das Hortênsias. Foto de Fernando Pires.

Destaque também para a exposição Nas Trilhas do Olhar, de alunos do curso de fotografia da ESPM Porto Alegre, onde sou professor. As 20 fotos (2 por aluno) foram impressas numa mídia resistente a chuva e expostas na praça João Corrêa, ao ar livre. Achei excelente a ideia, curadoria e montagem. Estou a horas sonhando com uma exposição assim que democratize o acesso do público. Nem sempre as pessoas entram numa galeria ou num museu para ver uma exposição mesmo que seja gratuito o acesso e isso já elitiza. Durante o tempo que eu estava vendo esta exposição, pude presenciar vários adolescentes, que cruzavam o local, pararem por alguns instantes para observar e comentar atentamente algumas fotos.

Exposição dos alunos do curso de fotografia da ESPM Porto Alegre. Foto de Fernando Pires.

Meu workshop de fotografia de natureza aconteceu quinta-feira 23/2 na Casa de Pedra – a parte teórica; sexta-feira no EcoParque Sperry– a parte prática; e finalizou no sábado no Hotel Klein Ville, onde comentei as fotos dos alunos sobre as pautas propostas por mim e apresentei meu fluxo de trabalho usando as imagens feitas na saída a campo. Neste workshop contei com a valiosa colaboração dos biólogos Eliane Heuser e Vitor Hugo Travi como monitores.

Zé Paiva com alunos e monitores no EcoParque Sperry. Foto de Luiz Avila.

Na sexta-feira aconteceu também a cerimônia de lançamento da pedra fundamental do  Instituto de Fotografia e Artes Visuais de Canela, que será construído sobre as ruínas do que seria um cassino. O projeto do escritório Solé Associados contempla salas para acervo de fotografia brasileira, auditório, diversas salas de exposições, uma com pé direito de 12m, biblioteca, cantina, estúdios com possibilidade de luz natural e salas de aula;  tudo numa área de 3.260m2 (que no final chegará a 9.136 m2)

Lançamento da pedra fundamental do Instituto de Fotografia de Canela. Foto de Fernando Pires.

No sábado a tarde houveram diversas palestras de nomes como Clício Barroso, Fernando Schmitt, Fernando Bueno, Flávia Moraes, Márcio Scavone e Brasilio Wille. Também fui convidado para dar uma das palestras e falei sobre os meus projetos de expedições, principalmente sobre o conceito e onde busquei a inspiração para desenvolvê-lo.

Zé Paiva na palestra “O olhar naturalista”, no sábado a tarde. Foto de Fernando Pires.

O encerramento do evento foi um jantar no Hotel Continental com diversos sorteios (que animaram a noite) de livros, fotos e outros brindes. Fiquei bem feliz pois uma das minhas fotos da exposição coletiva foi sorteada e quem ganhou foi Nair Benedicto, amiga e fotógrafa que admiro muito, como profissional e como pessoa sensível e carinhosa.

Final do jantar de encerramento do Canela Foto Workshops, no restaurante do Hotel Continental. Foto de Fernando Pires.

Viver natureza

Na manhã do dia 19 de agosto de 1839 o pintor, cenógrafo e inventor francês Louis-Jacques-Mandé Daguerre apresentou a Academia Francesa de Artes e Ciências sua invenção: o daguerreótipo. Oficialmente isso marcou a descoberta da fotografia, mas há polêmicas, pois vários inventores já haviam tido resultados antes disso, inclusive no interior do Brasil, mas essa já é outra história. Graças à este fato o dia 19 de agosto ficou instituído como o dia mundial da fotografia.

Em outro dia 19 de agosto, há exatos dois anos, era fundada a Associação dos Fotógrafos de Natureza – AFNatura – uma entidade que reúne pessoas que acreditam na fotografia como uma forma de expressão artística capaz de valorizar o ambiente natural e promover a sua conservação. A AFNatura está comemorando duplamente este ano:  em Brasília com uma exposição coletiva intitulada “Antes que a natureza acabe” durante o Mês da Fotografia realizado pelo SESC (Serviço Social do Comércio), e domingo, dia 21 de agosto, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com um evento que reunirá diversos palestrantes sobre o tema: “A fotografia de natureza e a economia criativa”. Além das palestras haverá a projeção “Viver natureza”, com curadoria do fotógrafo e associado Ricardo Siqueira, e a entrega de título de associado benemérito da AFNATURA ao fotógrafo Sebastião Salgado, entre outras atrações.

Abaixo algumas fotos que estão na exposição de Brasília e estarão na projeção do Rio. Quem estiver numa destas cidades aproveite e confira.

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Créditos:

Perereca – Foto de Fábio Colombini

Arara – Foto de Jair Cehs

Serpente – Foto de Luciano Candisani

Jacaré – Foto de Marcelo Krause

Samambaia – Foto de Maurício Simonetti

Ipês – Foto de Ney Oliveira

Dunas – Foto de Palê Zuppani

Onda – Foto de Príamo Melo

Ariranha – Foto de Virgínio Sanches

Cerrado – Foto de Zé Paiva

Paraísos Naturais

Na última sexta-feira dia 5 de agosto de 2011, na sede da Federação das Indústrias de Santa Catarina, em Florianópolis, foi lançado o livro Paraísos Naturais da Região Sul. A obra mostra imagens de quinze unidades de conservação da região sul do Brasil, entre parques nacionais, estaduais e uma reserva biológica, através do olhar de três fotógrafos, Zig Koch, Eduardo Tavares e eu, com fotos adicionais de Edson Junkes e João Paulo Cauduro Filho.

O livro foi publicado pela Editora Expressão, com coordenação da jornalista Débora Horn e direção de arte de Luiz Acácio de Souza. O lançamento aconteceu durante o Forum de Gestão Sustentável, organizado pela mesma editora, onde foram entregues os Prêmios Expressão de Ecologia, o que acontece a quase vinte anos.

Abaixo vocês podem conferir algumas das minhas fotos que participaram do livro, inclusive a capa.

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Dul-tson-kyil-khor, a mandala de pó colorido

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Durante oito dias o monge Tenzin Thutop, do Mosteiro Namgyal de Ithaca NY, trabalhou construindo uma mandala de areia, uma antiga prática do budismo tibetano. No oitavo dia, para surpresa e admiração dos nossos olhos ocidentais, ele tranquilamente desmanchou a mandala, depois de algumas preces, distribuiu alguns punhados de areia para o público e jogou o resto num pequeno lago, numa cerimônia que durou alguns minutos.

Esta mandala de areia foi parte da programação da II Semana de cultura Tibetana,  que aconteceu de 27 de maio a 4 de junho de 2011 na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, e foi promovida pelo Centro de Cultura Tibetana, com apoio do escritório do Tibete em Nova Iorque. Acompanhando a mandala de areia estava a exposição coletiva “The Missing Peace” e fotos históricas da fuga e exílio do Dalai Lama, além de thangkas tibetanas (pinturas em tecido com motivos budistas). O evento teve palestrantes ilustres como Robert Barnett, da Columbia University, os jornalistas Haroldo Castro e Luis Pelegrini, além do representante de S.S Dalai Lama para a América Latina, Tsewang Phuntso, entre outros. Além disso houve um jantar tibetano com um chef que além de cozinhar, canta e pinta, Ogyen Shak.

Mandala significa casa ou palácio. No caso da mandala budista, o significado seria o  palácio da mente do Buda, onde o azul da mesa simboliza o céu, ou espaço vital. A mandala é feita com milhões de grãos de areia colorida, ou melhor, pó de mármore. Os próprios monges quebram as pedras com marreta, trituram e peneiram o mármore até ele ficar finíssimo. Depois disso tingem várias vezes em mais de vinte tons distintos. Esta prática antigamente era feita somente nos mosteiros nas luas cheia de alguns meses específicos. Hoje em dia é também feita em eventos como este para difundir a arte e a filosofia tibetana. Ela representa a impermanência de tudo na vida e o desapego, principalmente do monge que a realizou.

Semana Tibetana em Florianópolis

Caros amigos

Dia 27 de maio começa a II Semana de Cultura Tibetana em Florianópolis, que acontecerá na Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Durante 9 dias teremos palestras, filmes, exposições de arte, mandala de areia e workshops. Entre os palestrantes estão: Lia Diskin – fundadora da Palas Athena, Tsewang Phuntso – representante de SS Dalai Lama na América, Robbie Barnett – professor da Columbia University e o Lama Padma Samten – presidente do Centro de Estudos Budistas Bodisatva. Haverá também uma mesa redonda com os jornalistas Arthur Veríssimo (Trip), Haroldo Castro, Luis Pelegrini (Planeta) , entre outros. A artista Tiffany Gyatso ministrará um workshop de pintura tibetana. Poderemos conhecer a culinária tibetana em um jantar preparado por um chef tibetano, com direito a música típica interpretada pelo próprio chef.

Eu sou o curador das exposições e responsável pela mandala de areia.

A exposição “The Missing Peace” – artistas consideram o Dalai Lama – é uma exposição coletiva que foi criada pela Fundação Dalai Lama e pelo comitê 100 pelo Tibete, onde os artistas mostram a sua visão pessoal sobre o Dalai Lama. São 88 artistas de 30 países (incluindo os brasileiros Sebastião Salgado e Adriana Varejão).

Tendo a vida do Dalai Lama como inspiração o projeto tem como objetivo chamar a atenção do mundo para a busca da paz. Segundo o Dalai Lama, na apresentação do livro com as obras, “Estas obras de arte buscam criar zonas de paz, e tem a intenção de inspirar outros a gerar compaixão, amor e paciência, que são essenciais se o ser humano quiser atingir a felicidade.”

Entre os artistas do projeto estão famosos como Laurie Anderson, Richard Avedon e o ator Richard Gere mostrando suas habilidades como fotógrafo. Aqui em Florianópolis teremos 14 obras desse projeto em excelentes reproduções que compõem o “The Missing Peace in a box”.

Haverá também uma exposição de Thangkas tibetanas (uma pintura em tecido com motivos budistas,espécie de altar móvel) vindas do Mosteiro Namgyal, trazidas pelos monges que irão fazer durante nove dias uma mandala com milhares de grãos de areia. No último dia a mandala será desmontada num ritual que celebrará a impermanência. Além disso tudo ainda teremos fotos históricas da fuga de SS Dalai Lama do Tibete e dos tibetanos em exílio na Índia.

Confiram a programação completa no link e façam sua inscrição logo pois as vagas são limitadas. As inscrições podem ser feitas no próprio site.

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Natureza Gaúcha na Cultura

Caros amigos

Dia 12 de maio de 2011 – quinta feira – estarei recebendo todos para um encontro no auditório da Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country em Porto Alegre. Na ocasião vou projetar imagens do livro e falar um pouco sobre este projeto. Também vou mostrar imagens inéditas do projeto que estou trabalhando no momento – Expedição Natureza do Tocantins – com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. Na ocasião acontecerá a abertura da exposição fotográfica do Natureza Gaúcha. Estão todos convidados! Saiba mais sobre o livro aqui.

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Onde: Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country em Porto Alegre

Quando:12 de maio de 2011 – quinta feira – as 19h30

Mais detalhes aqui neste link.

FestFotoPoa 2011

Começou no dia 6 de abril e vai até 1 de maio a quinta edição do FestFotoPoa. O festival  abriu com uma grande exposição retrospectiva do fotógrafo homenageado Luiz Carlos Felizardo. Felizardo ficou conhecido pela sua versatilidade, pois tanto fotografou paisagens sublimes, detalhes arquitetônicos e abstrações em câmeras de formato grande, 4×5 e até 8×10 polegadas, quanto fez cliques voeyrísticos em suas viagens com uma pequena Leica 35mm, sempre em preto&branco. No segundo dia do festival foi lançado um livro também retrospectivo sobre a obra de Felizardo, homenagens mais do que merecidos por este grande fotógrafo.

Apesar de ser conterrâneo meu, ele também nasceu em Porto Alegre, só o conheci pessoalmente em 2004, quando participamos juntos com outros 43 fotógrafos do projeto SP 450 anos em 24 horas, dos irmão Eduardo e Fernando Bueno. O projeto consistia em fotografar um tema sorteado para cada fotógrafo durante as 24 horas do dia do aniversário de 450 anos de São Paulo. Lembro que estávamos todos os fotógrafos hospedados no velho hotel Othon Palace, no centro histórico de São Paulo. O sorteio foi na sexta -feira a noite e eu estava ao lado do Felizardo assistindo. Quando sortearam o tema dele: morrer em São Paulo, ele virou pra mim com uma cara de perplexidade (deve ter imaginado alguma cena de crime), e eu imediatamente reagi dizendo que haviam belos cemitérios em São Paulo. Seu semblante imediatamente iluminou-se. Uma das fotos deste ensaio, Cemitério São Luiz, está na exposição e no livro do FestFoto.

Alguns anos depois, quando lancei meu livro Expedição Natureza Gaúcha, em 2008, Felizardo escreveu um belíssimo texto na sua coluna Imago, na revista Aplauso, sobre o meu trabalho e o do Eurico Salis, meu amigo e contemporâneo, que havia lançado mais ou menos na mesma época o livro Porto Alegre, cenas urbanas, paisagens rurais. O gancho do artigo era a ligação de ambos com Bagé, cidade natal do Eurico, dos meus pais, e com a qual Felizardo tem uma ligação afetuosa. Estas colunas do Feliz renderam um ótimo livro, com o nome da coluna, Imago, lançado em 2010. Felizardo, além de ser um fotógrafo com grande sensibilidade e apuro técnico, ainda escreve soberbamente. Este foi o seu segundo livro de textos, o primeiro, de 2000, chama-se Relógio de ver. [slideshow]

Mas voltando ao FesFoto, depois dessa viagem no tempo. A exposição do Felizardo ocupa quase todo o andar térreo do Santander Cultural, um belíssimo prédio histórico. No andar de cima, uma retrospectiva de Marc Riboud, que achei um pouco linear, ampliações pequenas, todas do mesmo tamanho, acho que não ficou a altura da obra desse grande fotógrafo francês. Nas salas multimídia aconteceram as palestras, mesas-redondas e leituras de portfólio. Falando em mesas-redondas, uma crítica construtiva: acho que foi mal aproveitada a oportunidade, pois juntaram-se grandes cabeças pensantes da fotografia brasileira, mas devido em parte aos atrasos de início em quase todas, sobrava sempre muito pouco tempo para a mesa redonda propriamente dita, onde haveria o debate com o público. A mesa acabava ficando linear, como palestras sucessivas, sem o debate que ao meu ver seria fundamental e produtivo. Prova disso é que numa das mesas mais empolgantes, onde estavam Roberto Linsker, da Editora Terra Virgem, Tiago Santana, da Editora Tempo D’imagem e Dante Gastaldoni, do projeto Brasil passa pelo SESC, discutindo a produção de livros autorais de fotografia no Brasil, a discussão continuou por horas no corredor e no café, porque o assunto era por demais instigante.

O saldo final é que o FestFotoPoa está de vento em popa e acho que todos que participaram este ano estão ansiosos que chegue a sexta edição em 2012, quando a fotógrafa homenageada será Nair Benedito. Quem ainda não foi, não deixe de ir, pois até 1 de maio permanecem as ótimas exposições acompanhadas de sessões de filmes no cinema do subsolo, programa imperdível!

O DNA da paisagem

livro Expedição Natureza Gaúcha estará na Biblioteca do Fórum Internacional de Livros de Autor, dentro do 5º FestFotoPoa, que acontece de 6 de abril a 1º de maio de 2011. Leia na íntegra o brilhante prefácio do livro, escrito pelo doutor em ecologia da paisagem, professor Rualdo Menegat:

Sitio Arqueológico de São Miguel Arcanjo, Missões Jesuíticas dos Guaranis

A identidade de cada pessoa é indissociável da paisagem e do lugar onde nasceu. O lugar é uma espécie de sobrenome invisível: embora não conste na certidão de nascimento, possui a mesma importância do sobrenome, como se fizesse parte da natureza humana. Quando conhecemos alguém pela primeira vez, logo perguntamos onde essa pessoa nasceu e onde vive. Também costumamos falar de sobrenomes endereçando-os a algum lugar, como os Vargas, de São Borja; os Verissimo, de Cruz Alta; os Scliar, do bairro Bom Fim; os Barbosa Lessa, de Piratini; os Lopes, de Bagé. A cultura ameríndia também tinha endereço natural, como os caingangues, do Planalto Meridional; os guaranis, das Missões; ou os minuanos, do Pampa.

Cada lugar tem características tão próprias que poderíamos pensá-lo como se portasse uma impressão digital ou um DNA que lhe fossem únicos. Porém, diferentemente dos genes dos ancestrais, os “genes do lugar” não ficam automaticamente registrados no organismo. Mas ficam impregnados, desde que nascemos, em nosso espírito e cultura de modo indissociável. Seja a língua, o sotaque, a comida, os jogos, a religião, tudo está profundamente influenciado pela paisagem, onde a cultura vai sendo cotidianamente construída.

A paisagem é a moldura de nossa cultura e, ao mesmo tempo, define os limites e possibilidades de expansão desta. A cultura desenvolvida pelos ticunas no alto Solimões não é adequada para a vida nos Andes Centrais, pois considera fundamentalmente a paisagem da Floresta Amazônica. Do mesmo modo, a cultura dos incas, no Peru, forjada pela natureza inóspita das altas montanhas andinas, não se adapta às terras baixas e planas do grande Pampa. Uma cultura torna-se tão circunscrita à paisagem que tem dificuldades de se adaptar a outros lugares. Tal restrição ocorre porque quando uma cultura domestica a paisagem ao longo do tempo ela ajusta os instrumentos culturais, desde habitação até visão de mundo, àquele lugar. O processo de domesticação não é outro senão a transferência do DNA do lugar à cultura, e vice-versa, de modo que ambos se pertençam. Isto é, ao ver a paisagem, logo identificamos o personagem que a habita, e, ao ver este, de imediato pensamos na paisagem.

Quando a paisagem é domesticada, passa a ser importante ingrediente de coesão de grupos humanos. Toma parte das qualidades peculiares de um povo, integrando-lhe o caráter, o modo de ser, como em “ser gaúcho”, ou “ser pampiano”, “serrano”, “missioneiro”, “litorâneo” etc. Fazemo-nos pertencer ao lugar, às vezes, sem mesmo conhecê-lo apropriadamente. Embora possamos não ter visitado todas as paisagens do Estado, dizemo-nos mesmo assim “gaúchos”, às vezes sem nem sequer ter saído do lugar em que nascemos. Por força do hábito, podemos enxergar para além da própria realidade da paisagem, e a vemos mais do ponto de vista cultural que do ponto de vista da descrição natural, de como ela é de fato. Como se criássemos certos mitos acerca do lugar, numa espécie de cegueira.

Por exemplo, com frequência dizemos que o Pampa gaúcho é uma “enorme planície”. Com isso, queremos fazê-lo parecer semelhante ao vasto Pampa argentino, ecorregião que abrange cerca de 600.000 quilômetros quadrados, mais do que duas vezes a área do Rio Grande do Sul. O Pampa argentino é tão extenso e as terras tão planas que a drenagem é mal definida e a água da chuva escoa com dificuldade, acumulando-se em lagos por vezes efêmeros. Originalmente, a palavra espanhola pampa, derivada do quéchua bamba, significava apenas uma pequena planície nos vales intermontanos dos Andes Centrais. Quando no século XVI os espanhóis avançaram rumo ao sul e depararam com a imensidão da paisagem de terras planas e vegetadas por gramíneas, chamaram-na de “grande pampa”.

Na verdade, a área de terras verdadeiramente planas e baixas de nosso Estado é muito pequena. Não temos nem planícies em vales intermontanos nem tampouco grandes extensões planas. Em algumas partes, o relevo é ondulado, com coxilhas e morros arredondados, canais fluviais sempre bem escavados; e, em outras, acidentado, com vales fluviais profundos, morros agudos, serras, escarpas e cânions. Toda essa morfologia ocorre na metade sul do Estado, reconhecida como pampiana.

Dito de outro modo, nosso Pampa tem paisagens muito menos monótonas que o congênere argentino. Em muitos casos, a paisagem sulina é tão peculiar que há um esforço para não vê-la, apenas para fazer de conta que somos semelhantes aos vizinhos do grande Pampa. Indiscutivelmente, nossa cultura é pampiana, o que não quer dizer que nossas paisagens sejam exatamente iguais às das demais culturas pampianas dessa vasta região meridional da América do Sul.

Há, na verdade, uma diversidade de gaúchos na mesma medida da diversidade das paisagens onde essa cultura se instalou e se expandiu. Dizem-se gaúchos os que habitam a Patagônia, onde criam ovelhas nas zonas mais amenas desse semideserto da região mais meridional e fria de nosso continente. Também se dizem gaúchos os que povoam grande parte do Chaco argentino-paraguaio e até do Pantanal Mato-Grossense, onde criam gado e tomam mate frio, o tereré. São gaúchos os que ocupam a área contígua ao Rio Grande do Sul chamada de Campos Sulinos, no vizinho Uruguai; e, claro, são gaúchos os que lidam com o gado e tomam mate quente, porém em cuia pequena, na imensa planície argentina chamada de grande Pampa.

Enfim, as vastas terras baixas e planas que se estendem desde a fria Patagônia e grande Pampa até parte do Chaco paraguaio-argentino e respectivas áreas adjacentes um pouco mais elevadas ensejaram uma ocupação humana que possui forte identidade na cultura do manejo de gado, chamada de “gaúcha”. Na ampla configuração de nosso cenário, qual seja, a parte não andina da região meridional da América, somos a porção do extremo oriente dessa cultura, habitando uma espécie de “‘pampa alto”, “pampa coxilhado” ou “pampa serrano”. Assim como também pertencem a um “pampa alto”, porém paisagisticamente distinto, os que habitam as terras elevadas no bordo oeste do Pampa argentino, mais próximo dos Andes.

Visitar o lugar do outro, do vizinho, do estrangeiro longínquo, é sempre um exercício cognitivo e cultural que ajuda a descobrir a própria paisagem para além do hábito que cegamente vamos mantendo. Do mesmo modo, quando outras pessoas que não moram onde vivemos vêm descrever “nosso lugar”, aprendemos a ver a terra pelos olhos daqueles que não estão a ela habituados, isto é, embebidos em uma espécie de cego encantamento.

O hábito, por ser muito afeiçoado ao lugar, não permite que vejamos a paisagem a partir de outras perspectivas ou pontos de vista que não sejam “o nosso”, quer dizer, de nossa identidade cultural aderida ao território. Por isso, as narrativas de viajantes sempre foram um gênero literário de muito sucesso em todas as épocas. A começar pelas mais antigas, como as Historias do grego Heródoto, o “pai da História”, que no século V a.C. descreveu no livro II o mundo egípcio com horror e fascínio e nos fez ver que cultura, etnografia e história pertencem ao lugar. Ou as do veneziano Marco Polo, que narrou no livro Il Milione a viagem ao então estranho mundo oriental no século XIV. Ou as consagradoras descrições dos naturalistas românticos do século XIX, em que se incluem as de ilustres sábios que visitaram o Rio Grande do Sul, como Auguste Saint-Hilaire, Aimé Bonpland, Friedrich Sellow, entre outros.

O trabalho de naturalistas e viajantes constitui fonte de conhecimento de nossa paisagem a partir de outras perspectivas. Mais além, são também uma memória das mudanças paisagísticas que ocorreram desde épocas em que os únicos instrumentos de registro eram a escrita e o desenho em cadernetas de campo. Os trabalhos poderiam ser acompanhados de coleta de espécimes vegetais, animais e minerais, bem como de belas aquarelas. No século XX, principalmente a partir da consolidação dos cursos universitários de História Natural nos anos 1950, os relatos de viagem que integravam várias modalidades disciplinares foram perdendo terreno, e o gênero quase desapareceu.

Por isso, a publicação desta obra do fotógrafo Zé Paiva é motivo de grande e estupenda alegria. Utilizando-se de recursos modernos, do arsenal de equipamentos fotográficos e adequada logística, brinda-nos com uma incursão pela paisagem gaúcha que recupera a ideia dos percursos de uma viagem naturalista. Em vez de longos textos, Paiva apresenta uma obra numa linguagem visual própria da contemporaneidade. Mas suas fotografias não são a busca do óbvio, de imagens já muito difundidas em cartões-postais. Longe disso, o autor apresenta sequências inseridas dentro de incursões pela paisagem do Escudo Sul-Rio-Grandense, Planalto Meridional, Depressão Periférica e Planície Costeira. Os percursos, por sua vez, são localizados dentro da diversidade de paisagens que compõem as ecorregiões gaúchas.

Assim, o leitor poderá acompanhar o espírito de aventura, de busca, de investigação de um amplo espectro de temas que conformam o DNA de uma paisagem. Dos elementos rochosos, vegetais, animais, capturados em detalhes de rara composição. Do conjunto paisagístico denotado pelas formas do relevo, nuvens e cores do céu. De expressões culturais de habitantes de regiões distantes, ermas, onde se fabrica a simbiose dialética entre cultura e paisagem. São flagrantes fotográficos que anunciam nossa condição neste mundo: de espectadores e, também e cada vez mais, de modificadores da paisagem.

A incursão de Zé Paiva é uma busca instigante da natureza recôndita, aquela que ainda está de alguma forma guardada em parques e áreas de preservação. É um modo sutil de anunciar o pouco que resta e o tanto que perdemos ou que ainda podemos perder. Por ser fruto de um viajante que segue os passos da cognição naturalista, a obra tem perspectiva, tem posição: a de mostrar em cada flagrante como a natureza é bela e diversa na sua própria naturalidade, isto é, para além dos clichês habituais que porventura aprisionam as múltiplas paisagens de nosso Estado.

A Kombi

Estava voltando do Canela Foto Workshops, na Serra Gaúcha, quando resolvi parar no Café Tainhas, em Cambará do Sul. Desço do carro e encontro saindo do Café Fernando Bueno, o mentor do evento, acompanhado do mestre Evandro Teixeira, Dudu Contursi, Cadão Chaves (editor de fotografia da Zero Hora) e Rogério Reis (Tyba RJ). Eles estavam indo fazer um passeio no canyon do Itaimbezinho. Depois de um rápido papo, nos despedimos. Foi ai que eu vislumbrei no estacionamento uma velha Kombi azul-calcinha com rodas vermelhas. Voltei para o carro e peguei imediatamente a câmera. Foi quase instintivo, sem pensar. A atração visual era muito forte. Cores contrastantes, a antiguidade do carro – uma verdadeira lenda. Comecei a fotografar e fui percebendo os detalhes hilários: um desentupidor de privada amarrado no bagageiro, retoques na pintura com spray prateado, um xis de fita isolante no farolete. Depois de alguns minutos um rapaz se aproxima de mim e começa a puxar assunto. Logo percebo que estou diante do dono. Começo a falar do meu êxtase visual diante do carro e ele se empolga. Logo chegam o seu amigo e a namorada. Me dou conta de que eles estão indo passar o carnaval na praia e é tudo uma grande brincadeira, o spray prata, o desentupidor, as cortinas… Depois de um chimarrão trocamos emails e nos despedimos. Imagino o que eles levariam dentro da Kombi…[slideshow]

Canela Foto Workshops

Aconteceu de 27 de fevereiro a 4 de março a quarta edição do Canela Foto Workshops, uma realização do fotógrafo Fernando Bueno e da jornalista Liliana Reid. O evento teve a presença de vários fotógrafos ilustres ministrando workshops e palestras. A semana culminou com um debate na quinta-feira sobre os Os Novos Caminhos do Uso da Imagem e do Ensino da Fotografia. Na mesa estavam Rogério Reis, Orlando Brito, Evandro Teixeira, Fernando Bueno e Ricardo Cadão Chaves, além de inúmeros outros fotógrafos importantes na platéia. Fernando aproveitou a oportunidade e relançou o plano de instalar um centro de excelência em ensino de fotografia no local onde era o Cassino de Canela, hoje em ruínas. Destaque para a exposição virtual dos alunos do curso avançado de fotografia da ESPM Porto Alegre, exibida entre as palestras, que aconteceram na Casa de Pedra. Vejam mais detalhes no site.

No final do debate, eu, Manuel da Costa, coordenador da ESPM Foto - Porto Alegre, entre alunos e ex-alunos.
Da esquerda para a direita, Cláudio Ott, Fernando Bueno, Clóvis Dariano, Evandro Teixeira, Luis Carlos Felizardo, Orlando Brito e este que vos escreve, no final do coquetel de encerramento do evento.

Eu participei com uma parte da minha exposição “Expedição Natureza Gaúcha”no simpático Empório Canela, que também é um bistrô e livraria. A exposição permanece até o dia 14 de março. Quem estiver na Serra Gaúcha, aproveite.

Foto Escambo em Canela.

Além disso houve uma participação do Foto Escambo, um interessantíssimo evento que propicia a troca de fotografias entre os participantes. Como funciona: cada  fotógrafo leva até cinco fotos ampliadas em papel 20×30 cm e para cada foto doada ganha um vale para escolher uma foto do varal onde ficam expostas. O bacana de tudo isso é que além de você poder formar sua galeria de fotografia em casa, as fotos são numeradas, mas você só fica sabendo quem é o autor depois de terminado o evento. Ou seja, a escolha é baseada na intuição, na razão ou na emoção, mas não no nome do autor. Eu ainda estou na curiosidade de saber de quem são as belas imagens que escolhi…